ACADEMIA MIDIÁTICA

20 junho 2006

A tribo dos Caçadores de Milagres



A “aldeia global” emplacada por Marshall McLuhan no imaginário midiático contemporâneo vem se mostrando território fértil para a formação de novas “tribos”. Geralmente situadas em ambientes urbanos, essas comunidades se caracterizam pelo seu caráter “juvenil”.
Nas minhas andanças pelo mundo afora, tenho vislumbrado “tribos” emblemáticas da atual geração que povoa o campus. Anos atrás, descobri, no México, a “Geração McLuhan”. Constituído por jovens pesquisadores da comunicação, sua meta tinha, em certo sentido, inspiração proustiana. Eles queriam recuperar, não o “tempo perdido”, mas o “conhecimento sonegado”. Pois acusavam seus mestres de haver “patrulhado” o legado intelectual da escola canadense (Innis, McLhuan e discípulos), privilegiando outras vertentes paradigmáticas.
Acabo de testemunhar, no Piauí, a formação de “tribo” semelhante. Trata-se da equipe auto-denominada “Caçadores de Milagres”. Formada por estudantes dos cursos de comunicação do CEUT – Centro Universitário de Teresina – sua plataforma estriba-se na teoria folkcomunicacional de Luiz Beltrão.
Fascinados pelas idéias beltranianas, eles foram seduzidos intelectualmente pela professora Jacqueline Dourado. Atuando como “guru” acadêmica, ela vem mobilizando os que pretendem inventariar criticamente aqueles focos difusores dos “milagres” piauienses.
De acordo com o “Retrato das Religiões no Brasil”, recentemente publicado pela Fundação Getúlio Vargas, o Piauí destaca-se como o Estado mais católico da “maior nação católica do mundo”, uma vez que 90,03 % da sua população declara-se filiada ao catolicismo. Sendo também um dos mais empobrecidos contingentes da geografia nacional, é plausível que demonstrem preferência pelo catolicismo “rústico”.
Ao visitar os santuário periféricos, Luiz Beltrão construiu a hipótese do “ex-voto como veículo jornalístico” (1965), cuja demonstração empírica embasou a sua “teoria da folkcomunicação” (1967).
A Tribo dos Caçadores de Milagres deu seqüência ao percurso desbravado por Beltrão, constatando a permanência dessa expressão folkcomunicacional em plena era da Internet. Suas primeiras incursões começam a revelar os novos fazedores de “milagres” dentro da geografia piauiense. A eles, os excluídos da sorte pagam suas “promessas”, depositando ex-votos. Tais objetos funcionam como notícias toscas, entronizando no imaginário popular uma nova legião de “santos”.
Durante a VIII Conferência Brasileira de Folkcomunicação, recentemente organizada no campus do CEUT, os “Caçadores de Milagres” começaram a revelar quem, no Piauí, são os beneficiários do culto fervoroso dos marginalizados.
A Virgem Maria permanece como detentora de grande credibilidade, sobretudo naquela versão aculturada da Nossa Senhora Mãe dos Pobres do Piauí. Mas os “santos não canônicos” demonstram forte poder milagroso: o motorista Gregório, em Teresina; a finada Luzia Cortada, em Luzilândia; a finada Consolação, em Piripiri; a noiva Alda, em Barras; a finada Auta Rosa, em Amarante; o homem do Carcará, em Oeiras.
Da mesma forma que o dramaturgo Dias Gomes, através da sua peça “O Pagador de Promessas”, celebrizou, na Bahia, em meados do século passado, o culto sincrético a Iansan/Santa Bárbara, os “Caçadores de Milagres” desvendam, neste início do século XXI, os cultos populares do Piauí. Esta foi sem dúvida a forma mais adequada de comemorar a pesquisa seminal de Luiz Beltrão, realizada em Recife, há quarenta anos.
(Texto publicado na Revista Imprensa, julho, 2005)

6 Comments:

At 8:17 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Eu estava lá.
Péricles

 
At 4:22 da tarde, Anonymous Anónimo said...

É uma pena que a universidade não transforme em uma disciplina permanente.

 
At 7:40 da tarde, Blogger Alícia Melo said...

Jac, só li agora. Tô emocionada. =)
Obrigada minha Guru! =D
Temos que retornar.
=*

 
At 8:54 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Caramba! "conhecimento sonegado"
É isso que eu quero buscar: o conhecimento que sinto que me foi sonegado, ou, que eu mesma por falta de tempo - tenha deixado passar.
Qto ao Luiz Beltrão, ele percebeu nada mais que uma grande verdade: a enorme força de expressão existente dentro de cada ex-voto que é feito até hj e utiliza os mais diversos meios.
Me referindo a professora Jacqueline, penso q ela cumpriu mt bem o seu papel sobre o tema folkcomunicacional no Piauí; pois, visivelmente, se apaixonou pelo assunto.
E como não podia ser diferente, tudo q se faz c/ amor: debruça-se, entrega-se; tornando-se sublime e perfeito.

Lorenna Ramalho

 
At 2:59 da tarde, Anonymous Anónimo said...

somente alguém com a inteligência do Professor José Marques de Melo para reconhecer o talento e a competência bem como o trabalho que a professora Jacqueline Dourado vem desenvolvendo aqui no Piauí. Não é a toa que ela é atualmente a Diretora Acadêmica da Rede Folkcom, nomeada recentemente pela cátedra Unesco. Isso é o reconhecimento de quem trabalha sério e faz o que realmente gosta. Parabéns Professora, li nos jornais sobre a homenagem que a sra. recebeu em São Paulo. Valeu! a senhora merece.

 
At 11:51 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Estava quase dormindo quando lembrei...

"tenho q escrever um recado no blog da professora jac"

Puxa...

Ainda bem que consegui escrever um pego recado, "jac" hj na faculdade na sala de coordenação vi vc falando pra uma pessoa assim: são pessoas assim que as vezes, eu acredito em Deus! Essas suas palavras me deixaram a pensar!!!???... As vezes tento procura resposta pra esse ser superior e não consigo e outras vez acontecem gestos na minha vida que me faz pensar: coisa do tipo das suas palavras.

Quando eu era garotinho achava que viver era contar uma história pra Deus. Achava que nascer era receber páginas em branco... Que preenchê-las com má vontade era pecado, morrer cedo era mudança de planos e ter vida longa era talento. Achava que Deus a gente só encontrava no começo e no fim. E que ele ficava pendurado numa nuvem espiando nossos rascunhos.
Mas aí, um dia, eu percebi que coisas curiosas aconteciam sem a gente perceber e davam nó no nosso roteiro. Foi então que descobri que Deus era um sujeito bastante do intrometido! Aquilo que minha mãe disse que se chamava coincidência, na verdade, era só o exibido do Deus querendo participação especial.

 

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